Art Nouveau em Paris


Uma das heranças mais significativas da arquitetura produzida no século XX, o Art Nouveau e suas construções com motivos vegetais, elementos em ferro e formato arquitetônico orgânico são características que mantêm viva a lembrança da Belle Epoque na capital francesa.



Figura 1: Grand Palais, Paris, França (Thiago Costa, 2015)


Desde as obras concebidas para a Exposição Universal de 1900, o Grand Palais (Figura 1) e a Torre Eiffel (Figura 4), por exemplo, até a contemporânea Fundação Louis Vuitton (Figura 18), exemplos clássicos da organicidade das formas mostram que o Art Nouveau nunca deixou de ser "novo", e nunca deixará.

Um novo século chegou depois que a Europa viu dinastias de direito divino em apogeu e queda. Passou-se a Revolução Francesa e a burguesia viu a tomada e a perda do poder de Napoleão Bonaparte, além de uma série de consequentes conflitos que culminaram na Primeira Guerra Mundial. Houve ainda a supremacia inglesa nos sete mares e a sua consequente Revolução Industrial, trazendo à Europa novas tecnologias e a mudança no "gosto" artístico e nas relações sociais.

O cenário era paradoxal. Prosperidade versus exploração do trabalhador industrial, progressos intelectuais versus briga por colônias na África, Sudeste Asiático e Pacífico, dentre outras incoerências. Apesar disso, houve o período da Belle Epoque, antes mesmo da Primeira Guerra, marcado pelo aumento do poder de compra e que suplantou o Fin-de-siècle, justamente aquele período antecessor conhecido pelo medo de uma “Nova Revolução Francesa” e surgimento de novas teorias sociais, segundo Weber (1988).

Os motivos decorativos começavam a alinhar-se com as novidades tecnológicas da engenharia e novos clientes despontavam: as indústrias. Elas almejavam fábricas funcionais, mas ao mesmo tempo, não abriam mão do pensamento progressista. Assim surgiam novos ambientes mais adequados ao conforto e segurança dos operários, como já havia sido feito na Chocolateria Menier (1870) - Figura 2 - com sua estrutura em aço autoportante aparente, nos arredores de Paris.


Figura 2: Chocolateria Menier, Região de Paris, França (Thiago Costa, 2015)


Pesquisas sobre a resistência dos materiais desde o século XVII lavaram às inovações do século XIX. Em Paris, o metal foi utilizado na estrutura da Biblioteca Nacional (1868) - Figura 3 - nos mais de 300m de altura da Torre Eiffel (1889) - Figura 4 - e em Les Halles (demolido em 1971). No entanto o Art Nouveau não queria um retorno ao passado lírico, mas uma "nova arte", que utilizava-se de novas possibilidades para o desafio da explosão populacional e do desenvolvimento econômico. Refutava-se a simetria e explorava-se o efeito das curvas, frequentemente com motivos fitomórficos, orientais e femininos, utilizando o material como elemento ornamental. Ferro e vidro eram excelentes para a arquitetura, deliberadamente lançados na construção de edifícios.



Figura 3: Salão Oval da Biblioteca Nacional, Paris, França (Thiago Costa, 2015)



Figura 4: Torre Eiffel, Paris, França (Thiago Costa, 2015)


O Art Nouveau teve muitos nomes. Lançado pelo belga Victor Horta, em Bruxelas, a partir da inauguração do Hôtel Tassel, em 1894, o movimento arquitetônico da riqueza decorativa e da renúncia ao passado ganhou seu nome a partir da loja do alemão Samuel Bing. Aberta em Paris, em 1895, dedicava-se à venda de produtos artísticos de vanguarda, criados por Toulouse-Lautrec, Lalique, Beardsley, Will Bradley (ilustrador americano), Gallé, Tiffany, dentre outros. Era a ideia de romper com o passado e com as academias dos séculos XVIII e XIX. Nesse contexto, a chamada "arte pela arte" fez do Art Nouveau uma "doença decorativa", como era conhecido à época. Suas formas sinuosas, explorando motivos naturais e estamparia japonesa, foram imediatamente associados ao Art Nouveau.

Em 1902, Auguste Perret (1874-1954) lançou moda na arquitetura da capital francesa, pois saía do papel o primeiro edifício residencial cujo esqueleto era feito inteiramente em concreto armado. Na 25-bis Rue Franklin (Figura 6), a decoração é inteiramente ornamentada com motivos fitomórficos. Segundo Casevecchie (2014), faltava aos jovens arquitetos do fim do século XIX a autorização para modificar os gabaritos definidos pelo Barão de Haussmann (1809-1891) aos edifícios de Paris. Assim, durante vinte anos, o Art Nouveau ignorou o padrão haussmanniano, e a capital francesa foi o centro desse movimento, muito mais por seu status de cidade mundial das artes do que pela superioridade de seus artistas.



Figura 5: Edifícios Haussmannianos, Paris, França (Costa, 2015)



Figura 6: Edifício 25-bis Rue Franklin, Paris, França (Thiago Costa, 2015)


Em Paris, Hector Guimard foi quem melhor impôs um estilo Art Nouveau na arquitetura, mas não somente por ter desenhado 167 entradas para o metrô (Figura 9). Influenciado por Viollet-le-Duc, admirador da arte japonesa, realizou o Castel Béranger (Figura 7) com apenas 27 anos. Ele assim concebeu mais de trezentos imóveis nos arredores de Paris, nas cidades de Passy e Auteuil.

Outro arquiteto, mas de imaginação delirante, Jules Lavirotte, quase inventou o imóvel ''vestido'', graças às cerâmicas de Alexandre Bigot, segundo Casevecchie (2014). Lavirotte cobria fachadas inteiras de imensos painéis cerâmicos e os decorava com figuras de animais fantásticos ou esculturas, nas quais se podiam ver diversos símbolos sexuais, como por exemplo na 29 Avenue Rapp (Figura 10).

A seguir, vamos conhecer melhor quatro ícones dessa época. Além das duas principais obras já citadas de Guimard, as entradas do metrô e o Castel Béranger, também vamos ver aquela de Lavirotte e a suntuosa cúpula das Galerias Lafayettes (Figura 12).

Hector Guimard fez uma casa para uma jovem viúva, Elisabeth Fournier. Um imóvel de trinta e seis apartamentos, pequenos e confortáveis, conhecido como Castel Béranger. Segundo Casevecchie (2014), a arquitetura é livre à imaginação de Guimard, utilizando-se de diferentes materiais e não hesitando à mistura de cores, o que não era somente novo, mas impensável na época. Outra inovação foi a utilização do ferro forjado, que era exclusivo às estações de trem e às usinas. Na fachada, uma surpresa. A pedra esculpida e duas colunas ornam a porta feita de ferro fundido e de placas de cobre. Esse projeto foi mantido em segredo por bastante tempo, visto a concorrência da época que obrigava os arquitetos a isso.

Para Guimard, a estrutura metálica de ferro fundido, que corresponde à escada de serviço e aos balcões, são tão úteis quanto decorativas. Há figuras de diabos e máscaras por todos os lugares, nas portas, nas janelas e nos balcões, fazendo-a ser conhecida também como "casa dos diabos".



Figura 7: Castel Béranger, Paris, França (Thiago Costa, 2015)



Figura 8: Porta principal do Castel Béranger, Paris, França (Thiago Costa, 2015)


Guimard, depois de um rígido concurso de arquitetura, teve delegada pelo diretor da Companhia Geral de Transportes Parisienses a responsabilidade de projetar diversos tipos de entradas para o metrô de Paris, como relata Casevecchie (2014). Aquela de Porte Dauphine (Figura 9), em formato de edícula, é a uma daquelas que ainda resta nesse formato, com estrutura em ferro fundido, baldrame de pedra e vidro na cobertura. Ela ainda conserva seus painéis de metal esmaltado de cor laranja.



Figura 9: Entrada da Estação Porte Dauphine, Paris, França (Thiago Costa, 2015)


Já Lavirotte teve mãos livres para realizar o imóvel na Avenue Rapp (Figura 10), adornando-o com um simbolismo erótico manifesto na sua exuberância e na sua decoração. No entanto, Alexandre Bigot teve o papel crucial na realização dessa fachada inteiramente coberta de cerâmica. Os lintéis cruzados, as colunas e as protuberâncias das janelas e as balaustradas são todas em cerâmica, de cores variadas, de acordo com cada pavimento. Os balcões em ferro fundido em "golpe de chicote" fazem parte do processo. O talento de Alexandre Bigot e de Jean-Baptiste Larrivé, escultor, contribuíram largamente para a atribuição, em 1901, de uma recompensa do concurso de fachadas de Paris a este imóvel.

Especialistas, segundo Casevecchie (2014), evocaram as características eróticas da fachada, a começar pela porta de entrada, comparada a um membro viril. A representação de uma Adão um pouco triste, ao lado de uma Eva totalmente chateada, traz à tona os fantasmas da arquitetura no alto da porta principal. Mas o humor é longe de ser ausente dessa exuberância.



Figura 10: Edifício na 29 Avenue Rapp, Paris, França (Thiago Costa, 2015)



Figura 11: Detalhe da porta principal do Edifício 29 Avenue Rapp, Paris, França (Thiago Costa, 2015)



Figura 12: Detalhe da fachada do Edifício 29 Avenue Rapp, Paris, França (Thiago Costa, 2015)



Figura 13: Inscrição do Arquiteto Lavirotte na fachada do Edifício 29 Avenue Rapp, Paris, França (Thiago Costa, 2015)


Sobre os icônicos estabelecimentos comerciais Art Nouveau de Paris, somente quatro deles sobreviveram à essa época gloriosa, descrita por Emile Zola em "Alegria das Mulheres". Nos anos 1900, viu-se florir a Printemps, a Samaritaine, o Bon Marché e as Galerias Lafayette (Figura 14), todas no estilo Art Nouveau, segundo Casevecchie (2014). A Samaritaine foi praticamente abandonada e o Bon Marché foi luxuosamente modernizado. Somente a Printemps e as Galerias Lafayette guardam ainda as lembranças dos "anos loucos".

Quando entramos nessa magnífica loja, não podemos deixar de admirar, no alto, a vidraçaria à 33 m de altura, de inspiração Art Nouveau e bizantina. O arquiteto Fernand Chanut, em 1908, imaginou essa obra constituída com dez faces de vidraria pintada, encerrada em uma armadura metálica, ricamente esculpida de motivos florais. Para as balaustradas, os pavimentos inferiores e a grande escadaria, Chanut chamou Louis Majorelle, que o ajudou a pôr de pé essa glória.



Figura 14: Pavimentos das Galerias Lafayettes, Paris, França (Thiago Costa, 2015)



Figura 15: Cúpula das Galerias Lafayettes, Paris, França (Thiago Costa, 2015)



Figura 16: Pintura da cúpula das Galerias Lafayettes, Paris, França (Thiago Costa, 2015)


Assim como Jules Lavirotte pensou na forma humana durante a concepção de seus projetos, também outros o fizeram na Paris dos anos que se seguiram. Inspiradas possivelmente no Art Nouveau, as curvas desenhadas por Oscar Niemayer percorreram o mundo até chegarem à capital francesa, na Sede do Partido Comunista da França (1971) - Figura 17. Essas curvas passaram a compor também a organicidade das formas da cidade luz. Essa sinuosidade é uma quase alusão ao barroco, em se tratando de inspiração religiosa, ou ao próprio Art Nouveau, quando a inspiração é o homem e a sua relação com a natureza. O fato é que Niemayer, carioca, ateu, nascido à época do auge do movimento, em 1907, e ainda exilado em Paris por mais de 20 anos, não pôde negar a sua inspiração Art Nouveau.



Figura 17: Sede do Partido Comunista Francês, Paris, França (Thiago Costa, 2015)


A arquitetura orgânica fitozoomórfica está bastante presente em Paris desde a época dos "anos loucos". Atualmente vemos as forma livres na Cité du Design (2008), na recém-inaugurada Philarmonie de Paris (2015) - Figura 20 - ou mesmo na glamurosa Fondation Louis Vuitton (2014). Mas a pedra talhada, do começo do século XX, cedeu lugar aos materiais contemporâneos, capazes de compor enormes seres - como o besouro que Frank Gehry fez construir no Bois de Boulogne (Figura 18).



Figura 18: Entrada principal da Fondation Louis Vuitton, Paris, França (Thiago Costa, 2015)



Figura 19: Fondation Louis Vuitton, Paris, França (Thiago Costa, 2015)



Figura 20: Philarmonie de Paris, França (Thiago Costa, 2015)


Referências:

WEBER, Eugène. France Fin-de-Siècle, Harvard University Press Cover. Boston, 1988.
CASEVECCHIE, Janine. Paris Art Nouveau, Hachette Livre, Éditions du Chêne. Paris, 2014.

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